Literatura

Índice
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  • Anjo Caído - Maria Quitéria
  • Copo de Água - André Gide
  • As sem-razões do amor - Drummond
  • Bilhete - Mário Quintana
  • Soneto da devoção - Vinícius de Moraes
  • Casamento - Adélia Prado
  • O jogo da amarelinha cap. 7 - Julio Cortázar
  • Poema sujo - Ferreira Gullar
  • A extraordinária aventura... - Mayakovsky
  • Tristeza (trecho do livro Canaã) - Graça Aranha
  • Versos íntimos - Augusto dos Anjos
  • Nascido para mandar - Fernando Pessoa
  • Estrela perigosa - Clarice Lispector
  • Oração de joelhos - Florbela Espanca
  • Embriagai-vos - Baudelaire
  • Amor entregue - Hilda Hilst


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Maria Quitéria, uma das escritoras mais lidas do recanto das letras no gênero literatura licenciosa.

Anjo Caído
Maria Quitéria

deitei asas no teu leito
no teu peito
fiz morada
largada
como um anjo caído
fostes tu
oh, bandido
que puxastes as asas
fostes tu a derrocada
do anjo sem céu
escorrendo um mel
na tua boca babada
de saliva
na esquiva
feito senda
queixo abaixo
o fogo e o facho
da minha fenda

fostes tu, oh tirano
que despistes o pano
que me cobria o sexo
e teu convexo
entrou na minha entranha
numa forma estranha
de se apresentar

arrancou penas
as melenas
os pelos
- novelos escuros -
nos melados furos
de mel e sais
conheceu meus demônios
minha Legião
me fez mulher só de tesão
sem véu
ao léu

- a vagabunda de mil catedrais -

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André Paul Guillaume Gide
22/11/1869 Paris FR
19/02/1951 Paris FR

Copo de Água

Nós vamos ensinar a você o fervor.
Nossos atos se prendem a nós,
como ao fósforo sua luz.
Nos consome
é verdade,
mas fazem nosso esplendor.
E se nossa alma valeu alguma coisa
é por ter ardido mais intensamente do que outras.
Vamos ensinar a você o fervor.
Uma existência patética.
Não a tranquilidade.
Ser tranquilo é ser trágico.
Eu não almejo outro repouso que o sono da morte.
Espero depois de ter exprimido nesta terra
tudo que havia em mim.
Satisfeito morreu completamente.
Desesperado por fazer ainda mais.
Nossa vida há de ser diante de nós
como um copo de água gelada.
O copo úmido nas mãos de quem
tem febre e quer beber,
e bebe tudo de uma vez.
Sabendo que devia guardar,
mas não podendo tirar dos lábios o copo delicioso.
Tão fresca é a água
e tão apaziguadora da sede.


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Carlos Drummond de Andrade
31/10/1902 Itabira MG
17/08/1987 Rio de Janeiro RJ

As sem-razões do amor

Eu te amo porque te amo,
Não precisas ser amante,
e nem sempre sabes sê-lo.
Eu te amo porque te amo.
Amor é estado de graça
e com amor não se paga.

Amor é dado de graça,
é semeado no vento,
na cachoeira, no eclipse.
Amor foge a dicionários
e a regulamentos vários.

Eu te amo porque não amo
bastante ou demais a mim.
Porque amor não se troca,
não se conjuga nem se ama.
Porque amor é amor a nada,
feliz e forte em si mesmo.

Amor é primo da morte,
e da morte vencedor,
por mais que o matem (e matam)
a cada instante de amor.


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Mário de Miranda Quintana 
30/06/1906 Alegrete RS
05/05/1994 Porto Alegre RS


Bilhete

Se tu me amas, ama-me baixinho
Não o grites de cima dos telhados
Deixa em paz os passarinhos
Deixa em paz a mim!
Se me queres,
enfim,
tem de ser bem devagarinho, Amada,
que a vida é breve, e o amor mais breve ainda…


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Marcus Vinícius da Cruz de Mello Moraes
19/10/1913 - RiodeJaneiro/RJ
09/07/1980 - Rio de Janeiro/RJ


Soneto da Devoção

Essa mulher que se arremessa, fria
E lúbrica aos meus braços, e nos seios
Me arrebata e me beija e balbucia
Versos, votos de amor e nomes feios.

Essa mulher, flor de melancolia
Que se ri dos meus pálidos receios,
A única entre todas a quem dei
Os carinhos que nunca a outra daria.

Essa mulher que a cada amor proclama
A miséria e a grandeza de quem ama
E guarda a marca dos meus dentes nela

Essa mulher é um mundo! - uma cadela
Talvez... - mas na moldura de uma cama
Nunca mulher nenhuma foi tão bela!


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Adélia Luiza Prado Freitas
13/12/1935 - Divinópolis/MG


Casamento



Há mulheres que dizem:


Meu marido, se quiser pescar, pesque,


mas que limpe os peixes.


Eu não. A qualquer hora da noite me levanto,


ajudo a escamar, abrir, limpar e salgar.


É tão bom, só a gente sozinhos na cozinha,


de vez em quando os cotovelos se esbarram,


ele fala coisas como "este foi difícil"


"prateou no ar dando rabanadas"


e faz o gesto com a mão.


O silêncio de quando nos vimos a primeira vez


atravessa a cozinha como um rio profundo.


Por fim, os peixes na travessa,


vamos dormir.


Coisas prateadas espocam,


somos noivo e noiva.



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Julio Cortázar
Bélgica, 26/08/1914 – Paris, 12/02/1984


O Jogo da Amarelinha - Capítulo 7 



Toco a sua boca, com um dedo toco o contorno da sua boca, vou desenhando essa boca como se estivesse saindo da minha mão, como se pela primeira vez a sua boca se entreabrisse, e basta-me fechar os olhos para desfazer tudo e recomeçar. Faço nascer, de cada vez, a boca que desejo, a boca que a minha mão escolheu e desenha no seu rosto, e que por um acaso que não procuro compreender coincide exatamente com a sua boca, que sorri debaixo daquela que a minha mão desenha em você. 
Você me olha, de perto me olha, cada vez mais de perto, e então brincamos de cíclope, olhamo-nos cada vez mais de perto e nossos olhos se tornam maiores, se aproximam uns dos outros, sobrepõem-se, e os cíclopes se olham, respirando confundidos, as bocas encontram-se e lutam debilmente, mordendo-se com os lábios, apoiando ligeiramente a língua nos dentes, brincando nas suas cavernas, onde um ar pesado vai e vem com um perfume antigo e um grande silêncio. Então, as minhas mãos procuram afogar-se no seu cabelo, acariciar lentamente a profundidade do seu cabelo, enquanto nos beijamos como se tivéssemos a boca cheia de flores ou de peixes, de movimentos vivos, de fragrância obscura. E se nos mordemos, a dor é doce; e se nos afogamos num breve e terrível absorver simultâneo de fôlego, essa instantânea morte é bela. E já existe uma só saliva e um só sabor de fruta madura, e eu sinto você tremular contra mim, como uma lua na água.


Júlio Cortázar



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Ferreira Gullar
10/09/1930 São Luís MA


Poema sujo 


turvo turvo 

a turva 
mão do sopro 
contra o muro 
escuro 
menos menos 
menos que escuro 
menos que mole e duro menos que fosso e muro: menos que furo 
escuro 
mais que escuro: 
claro 
como água? como pluma? claro mais que claro claro: coisa alguma 
e tudo 
(ou quase) 
um bicho que o universo fabrica e vem sonhando desde as entranhas 
azul 
era o gato 
azul 
era o galo 
azul 
o cavalo 
azul 
teu cu 
tua gengiva igual a tua bocetinha que parecia sorrir entre as folhas de 
banana entre os cheiros de flor e bosta de porco aberta como 
uma boca do corpo (não como a tua boca de palavras) como uma 
entrada para 
eu não sabia tu 
não sabias 
fazer girar a vida 
com seu montão de estrelas e oceano 
entrando-nos em ti 
bela bela 
mais que bela 
mas como era o nome dela? 
Não era Helena nem Vera 
nem Nara nem Gabriela 
nem Tereza nem Maria 
Seu nome seu nome era... 
Perdeu-se na carne fria 
perdeu na confusão de tanta noite e tanto dia 

(Trecho do Poema Sujo, de Ferreira Gullar)




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Vladimir Vladimirovich Mayakovsky

19/07/1893 Maghdati, Geórgia

14/04/1930 Moscow, Russia




A EXTRAORDINÁRIA AVENTURA 
VIVIDA POR VLADÍMIR MAIAKOVSKI 
NO VERÃO NA DATCHA

(Púchkino, monte Akula, datcha de Rumiántzev, 
a 27 verstas pela estrada de ferro de Iaroslávl)


A tarde ardia com cem sóis.
O verão rolava em julho.

O calor se enrolava
no ar e nos lençóis
da datcha onde eu estava.

Na colina de Púchkino, corcunda,
o monte Akula,
e ao pé do monte
a aldeia enruga
a casa dos telhados.

E atrás da aldeia,
um buraco
e no buraco, todo dia,
o mesmo ato:
o sol descia
lento e exato.

E de manhã
outra vez
por toda a parte
lá estava o sol
escarlate.

Dia após dia
isto
começou a irritar-me
terrivelmente.

Um dia me enfureço a tal ponto
que, de pavor, tudo empalidece.

E grito ao sol, de pronto:
“Desce!
Chega de vadiar nessa fornalha!”

E grito ao sol:
“Parasita!
Você, aí, a flanar pelos ares,
e eu, aqui, cheio de tinta,
com a cara nos cartazes!”

E grito ao sol:
“Espere!
Ouça, topete de ouro,
e se em lugar
desse ocaso
de paxá
você baixar em casa
para um chá?”

Que mosca me mordeu!
É o meu fim!
Para mim
sem perder tempo
o sol
alargando os raios-passos
avança pelo campo.

Não quero mostrar medo.
Recuo para o quarto.

Seus olhos brilham no jardim.
Avançam mais.
Pelas janelas,
pelas portas,
pelas frestas,
a massa
solar vem abaixo
e invade a minha casa.

Recobrando o fôlego,
me diz o sol com voz de baixo:
“Pela primeira vez recolho o fogo,
desde que o mundo foi criado.

Você me chamou?
Apanhe o chá,
pegue a compota, poeta!”

Lágrimas na ponta dos olhos
- o calor me fazia desvairar -
eu lhe mostro
o samovar:
“Pois bem,
sente-se, astro!”

Quem me mandou berrar ao sol
insolências sem conta?

Contrafeito
me sento numa ponta
do banco e espero a conta
com um frio no peito.

Mas uma estranha claridade
fluía sobre o quarto
e esquecendo os cuidados
começo
pouco a pouco
a palestrar com o astro.

Falo
disso e daquilo,
como me cansa a Rosta,
etc.

E o sol:
“Está certo,
mas não se desgoste,
não pinte as coisas tão pretas.
E eu? Você pensa
que brilhar
é fácil?

Prove, pra ver!
Mas quando se começa
é preciso prosseguir
e a gente vai e brilha pra valer!”

Conversamos até a noite
ou até o que, antes, eram trevas.
Como falar, ali, de sombras?
Ficamos íntimos,
os dois.
Logo,
com desassombro,
estou batendo no seu ombro.

E o sol, por fim:
“Somos amigos
pra sempre, eu de você,
você de mim.
Vamos poeta,
cantar,
luzir
no lixo cinza do universo.
Eu verterei o meu sol
e você o seu
com seus versos.”

O muro das sombras,
prisão das trevas,
desaba sob o obus
dos nossos sóis de duas bocas.

Confusão de poesia e luz,
chamas por toda a parte.
Se o sol se cansa
e a noite lenta
quer ir pra cama,
marmota sonolenta,
eu, de repente,
inflamo a minha flama
e o dia fulge novamente.

Brilhar pra sempre,
brilhar como um farol,
brilhar com brilho eterno,
gente é pra brilhar,
que tudo mais vá pro inferno,
este é o meu slogan
e o do sol.


Maiakóvski , em 1920,
tradução de Augusto de Campos


1. Datcha – casa de veraneio.
2. Versta – medida itinerária equivalente a 1,067m.
3. Rosta – A Agência Telegráfica Russa, para a qual Maiakovski executou cartazes satíricos de notícias – as “janelas” Rosta -, de 1919 a 1922.


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Graça Aranha
21/06/1868 São Luís MA
26/01/1931 Rio de Janeiro RJ

"Não, eu não te fujo doce tristeza! Tu és a reveladora do meu ser, a razão da minha energia, a força do meu pensamento.  Sobre ti me reclino, como se foras um insondável e voluptuoso abismo; teu me atrais, e estendo-te os braços nesse doloroso e invencível amor, com que o sonho ama o passado, a morte ama a vida. Antes de te conhecer, pérfida ilusão me entorpecia os sentidos, e a minha frívola existência foi a lúgubre marcha do inconsciente risonho por um caminho de dores. Nesse momento eu ainda  te buscava, sol moribundo! No meu rosto se estampava o riso continuo e fatigante, e ele  afastava de mim os homens, para quem a eterna alegria é morte... Mas tu, Tristeza, não estavas longe. Tu te sentaste à minha porta, numa postura de resignação e silêncio. E como esperaste! Um dia a alegria, de cansada, se extinguiu, e então soou para mim a hora da paz e da calma. Entraste. E como desde logo amei a nobreza do teu gesto! Oh! Melancolia! minha alma é a morada tranquila onde reinas docemente.
 A dor é boa, porque faz despertar em nós uma consciência perdida; a dor é bela, porque une os homens. É a liga intensa da solidariedade universal.. A dor é fecunda, porque é a fonte do nosso desenvolvimento, a perene criadora da poesia, a força da arte. A dor é religiosa, porque nos aperfeiçoa,  e nos explica a nossa fraqueza nativa.
Tristeza! tu me fazes ir até ao fundo das remotas raízes do meu espírito. Por ti compreendo a agonia da vida; por ti, que és o guia do sofrimento humano, por ti, faço da dor universal a minha própria dor... Que  o meu rosto não mais se desfigure pelas viagens do riso cansado e matador; dá-me a tua serenidade, a tua séria e nobre figura... Tristeza, não me desampares...Não deixes que o meu espírito seja a preza da vã alegria...Curva-te sobre mim; envolve-me com o teu véu protetor...Conduz-me, oh! benfazeja! aos outros homens...Tristeza salutar! Melancolia!"

 Trecho do livro Canaã de Graça Aranha



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Augusto dos Anjos
20/04/1884 Eng. Pau d'Arco PB
12/11/1914 Leopoldina MG


Versos Íntimos

Vês! Ninguém assistiu ao formidável
Enterro de tua última quimera.
Somente a Ingratidão – esta pantera – 
Foi tua companheira inseparável!

Acostuma-te à lama que te espera!
O Homem, que, nesta terra miserável,
Mora entre feras, sente inevitável
Necessidade de também ser fera.

Toma um fósforo. Acende teu cigarro!
O beijo, amigo, é a véspera do escarro,
A mão que afaga é a mesma que apedreja.

Se a alguém causa inda pena a tua chaga,
Apedreja essa mão vil que te afaga,
Escarra nessa boca que te beija!



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Fernando Pessoa
13/06/1888 Portugal / /30/11/1935 Portugal


Nascido para Mandar


Os homens dividem-se, na vida prática, em três categorias - os que nasceram para mandar, os que nasceram para obedecer, e os que não nasceram nem para uma coisa e nem para outra. Estes últimos julgam sempre que nasceram para mandar; julgam-no mesmo mais frequentemente que os que efectivamente nasceram para o mando. 

O característico principal do homem que nasceu para mandar é que sabe mandar em si mesmo. O característico distintivo do homem que nasceu para obedecer é que sabe mandar só nos outros, sabendo obedecer também. O homem que não nasceu nem para uma coisa nem para outra distingue-se por saber mandar nos outros mas não saber obedecer. 

O homem que nasceu para mandar é o homem que impõe deveres a si mesmo. O homem que nasceu para obedecer é incapaz de se impor deveres, mas é capaz de executar os deveres que lhe são impostos (seja por superiores, seja por fórmulas sociais), e de transmitir aos outros a sua obediência; manda, não porque mande, mas porque é um transmissor de obediência.

O homem que não nasceu nem para mandar nem para obedecer sabe só mandar, mas como nem manda por índole nem por transmissão de obediência, só é obedecido por qualquer circunstância externa - o cargo que exerce, a posição social que ocupa, a fortuna que tem... 


Fernando Pessoa 
Portugal - in 'Teoria e Prática do Comércio'



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Clarice Lispector
10/12/1920 Ucrânia // 09/12/1977 Brasil


Estrela Perigosa


Estrela perigosa 

Rosto ao vento

 Marulho e silêncio

 leve porcelana 

templo submerso 

trigo e vinho 

tristeza de coisa vivida 

árvores já floresceram 

o sal trazido pelo vento 

conhecimento por encantação

 esqueleto de ideias

 ora pro nobis


Decompor a luz 

mistério de estrelas 

paixão pela exatidão 

caça aos vagalumes.


 Vagalume é como orvalho 

Diálogos que disfarçam conflitos por explodir 

Ela pode ser venenosa como às vezes o cogumelo é. 


 No obscuro erotismo de vida cheia 

nodosas raízes. 

Missa negra, feiticeiros. 


Na proximidade de fontes, 

lagos e cachoeiras 

braços e pernas e olhos, 

todos mortos se misturam e clamam por vida. 


Sinto a falta dele 

como se me faltasse um dente na frente:

excrucitante. 

Que medo alegre, 

o de te esperar.


Clarice Lispector




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Florbela Espanca
08/12/1894 Portugal//08/12/1930 Portugal


Oração de Joelhos

Bendita a mãe que te gerou!

Bendito o leite que te fez crescer!

Bendito o berço aonde te embalou

A tua ama, pra te adormecer!



Bendita essa canção que acalentou

Da tua vida o doce alvorecer...

Bendita seja a lua que inundou

De luz, a Terra, só para te ver...



Benditos sejam todos que te amarem!

As que em volta de ti ajoelharem

Numa grande paixão, fervente, louca!


E se mais que eu, um dia, te quiser

Alguém, bendita seja essa mulher!

Bendito seja o beijo dessa boca!


Florbela Espanca



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Charles Baudelaire
09/04/1829 Paris FR // 31/08/1867 Paris FR



Embriagai-vos



É necessário estar sempre bêbado. 


Tudo se reduz a isso; eis o único problema.


Para não sentirdes o fardo horrível do Tempo,


que vos abate e voz faz pender para a terra,


é preciso que vos embriagueis sem cessar.



Mas de quê? 


De vinho, de poesia ou de virtude, 


como achardes melhor. 


Contanto que vos embriagueis.



E, se algumas vezes, 


nos degraus de um palácio, 


na verde relva de um fosso,


na desolada solidão do vosso quarto, 


despertardes, com a embriaguez já atenuada ou desaparecida, 


perguntai ao vento, à vaga, à estrela, 


ao pássaro, ao relógio, 


a tudo o que foge, a tudo o que geme, 


a tudo o que rola, a tudo o que canta, 


a tudo o que fala... 


Perguntai-lhes que horas são; 



E o vento, e a vaga, e a estrela, 


e o pássaro, e o relógio, hão de vos responder:


- É a hora da embriaguez!


Para não serdes os martirizados escravos do Tempo, 


embriagai-vos; embriagai-vos sem tréguas! 


De vinho, de poesia ou de virtude, 


como achardes melhor.



Charles Baudelaire



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Hilda Hilst
21/04/1930 Jaú SP // 04/02/2004 Campinas SP


Amor entregue


Que este amor não me cegue nem me siga 

E de mim mesma nunca se aperceba 

Que me exclua de estar sendo perseguida 

E do tormento

De só por ele me saber estar sendo 

Que o olhar não se perca nas tulipas 

Pois formas tão perfeitas de beleza 

Vêm do fulgor das trevas

E o meu SENHOR habita o rutilante escuro 

De um suposto de heras em alto muro 

Que este amor só me faça descontente

E farta de fadigas 

E de fragilidades tantas 

Eu me faça pequena 

E diminuta e tenra 

Como só sonhem ser aranhas e formigas

Que este amor só me veja de partida



Hilda Hilst


4 comentários:

Anônimo disse...

Lindas as poesias , muito inspiradas

Vivviane_sub

*escravas e submissas* disse...

Agradecemos, Vivviane.
De fato são autores consagrados e as poesias são belíssimas.

Beijos

Anônimo disse...

Meninas,
Apaixonada por literatura que sou, amei a escolha do que foi postado.
Bjinhos,
bia de MELBOR

*escravas e submissas* disse...

Agradecemos, linda bia de MELBOR... sua sugestão já foi postada, esse lindo texto de Julio Cortazar... agradecemos a contribuição.

Beijossss